quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

I get by with a little help from my friends

Para Lih, em seu aniversário (novamente atrasado)

Não existem átomos, carbonos, ligações ou juras que façam famílias. Não é sangue, ou promessas, não é vivência ou palavras. Famílias são coisas assim: além das ligações, além das explicações. É suor, lágrimas, gritos, acusações e perdões. É sair, e voltar. É entender, e discordar. É se envolver, sem dever, apenas por sentir que precisa. 

Não são dedos entrelaçados, ou corações unidos: é muito mais a respeito da perda e da raiva, das coisas que se constrói e destrói. Família não é paz, as duas coisas não poderiam viver juntos. Respeito, sim, mas não a leveza e a tranquilidade, pois pesa tanto, que esmaga ambos, e como um círculo inquebrável, como peças de um dominó, derruba a todos em volta. 

Apesar disso, ás vezes, a derrubada das peças forma um belo desenho. Como reações químicas, das quais surgem novas construções, de diferentes configurações, naturezas e utilidades. De repente um elétron pula de um anel para o outro, e tudo se desfaz, e se refaz. E pode ser assustador, e esmagador: mas é assim mesmo. A vida é assim, e a natureza é assim, e tudo decai antes que novas coisas possam nascer.

E como as folhas fertilizam o solo no outono, e ele se quebra e resseca durante o inverno, a primavera ressurge toda vez, límpida e verde, cheia de novos sons, aromas e novos filhotes, que crescem que se saiba como -- porque, na verdade, todo crescimento é insuspeitado de alguma forma. Mesmo conhecendo os detalhes técnicos-científicos de tais coisas, elas ainda constituem de um mistério, e ainda maior por sabermos tanto.

As partes reunidas formam um todo, mas cada parte é um todo em si mesmo, e isso vale a pena ser lembrado. Porque independente das famílias que formamos, ainda estamos presos cada um dentro de seu próprio mundo e existência, um todo completo em si. Uma vida.

São todas palavras e palavras tolas, pois meros sons e marcas não podem transmitir mais do que parte do significado por detrás das idéias que as movem -- como as próprias pessoas. Como cada pequena pegada nada é além da sombra do passo que foi dado, sem reter em si todo o esforço que ele custa.

E no final, é tudo inexplicável -- e sem saber quando, sem saber como, apenas sabemos que as flores voltarão. E de seus delicados miolos, nova vida surgirá.

Só gostaria que, para você, saber isso fosse o bastante.

Mas por mais que tudo seja, nada é.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Eleanor of Aquitaine: by the wrath of God, Queen of England‎

Para  Júlia, pelo seu aniversário (atrasado).

Nunca duvidei que nasci para reinar. Já era claro quando ainda era uma menina que nunca deixaria um mero garotinho tomar meu lugar. Eu era a herdeira, próxima duquesa da Aquitânia, futura Condessa de Poitiers, o melhor partido da Europa. Enquanto eu aprendia a toca o alaúde, já sabia que meus dedos eram de ouro, e que meu toque elevaria qualquer amado ao poder.

Então meu pai se foi, e veio Luís – pobre, fraco, adorável Luís – e eu o toquei com meus dedos dourados – de duquesa, de condessa, de poetisa; e logo ele tornou-se rei. Eu, Rainha da França, criei em torno de mim a corte que para sempre tornaria-se símbolo da realeza francesa: boa poesia, boa música, e todo romance possível. Tornei-me musa, e mãe de princesas, e montei em meu cavalo para libertar a Cristandade dos terríveis Mouros. Fui a cruzada como quem vai a um baile, e nela tudo ficou claro para mim: eu era Rainha, mas Luís, tão devoto, jamais seria O Rei.
E eu não poderia suportar mais tanta fraqueza, de forma que meus olhos fugiram rápido, os braços envolvendo o jovem e belo rapazinho que viria a ser o Duque da Normandia – Conde de Anjou, e ao meu toque, ele floresceu como homem e como guerreiro: cruzando o canal, tornou-se Rei. E eu, que fora rainha da França, recebi em minha bela cabeça a coroa da Inglaterra.

Meu belo Henrique, era um homem ativo, um homem apaixonante, e eu o amava com uma fúria irracional. Ele não era um fraco, e eu não podia dirigi-lo, e ele me fazia lembrar sempre de que eu era sua mulher – e que devia aceitar suas indiscrições. Adorava sua força, e odiava-o ao mesmo tempo. Tudo fazia ferver nossa rivalidade, e enquanto enchíamos a Ala Infantil de jovens e fortes crianças, ensinei-as no meu colo a odiar o pai.

Eu me refugiei com eles em meu belo ducado, e os ensinei sobre cavalheirismo, lealdade, força, e guerra: incentivei-os a lutar contra o pai, e com meu ex-marido, ameacei Henrique com uma luta que nunca aconteceu. Ele me castigou, é claro, pois diferente de Luís, nunca deixou que seus sentimentos levassem a melhor. E presa, isolada, eu passei tantos anos – pagando por retribuir sua traição.

Ele podia ter me cortado a cabeça, e eu nunca saberei por que ele não o fez; talvez temesse que jamais pudesse manter a Aquitânia, pois meu povo me era leal ao ponto de rejeitar meu amado filho, meu querido Ricardo, meu favorito. Eu tinha plantado bem demais a semente do ódio, e nosso herdeiro morreu lutando contra o pai, e meu marido morreu lutando contra nosso belo Ricardo.

Todos os homens que eu amei, tornaram-se reis, mas nenhum tão admirável quanto meu filho Ricardo; em seu porte majestoso e sua coragem cantada, em seu entusiasmo guerreiro, e sua lealdade que me libertou imediatamente para que eu recebesse a coroa em seu nome. Governei para meu filho enquanto ele refazia meus passos, levando a cruz a Jerusalém, sagrando-se o mais famoso comandante da cristandade, como seu pai um dia fora. Com minhas mãos fortes, segurei o império que lutei por, com e contra Henrique para construir.

E, ao fim, desejei que ele tivesse me cortado a cabeça, mas isso teria sido misericórdia demais. Meu coração foi arrancado com a força de um Leão enquanto uma flecha matava meu Ricardo, e com cacos de mim que vi meu caçula, João, subir ao trono da Inglaterra.
Não criei João, não o ensinei a lutar e odiar seu pai – Henrique cuidou disso, mantendo-o longe de minha cela, e ele criou-se um fraco. Talvez por isso tenha perdido a Normandia, a autonomia para os barões, a coroa e a vida ao fugir do neto de meu Luís, que vinha lhe tomar o trono.

Talvez tudo isso seja porque nunca o toquei.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Como se fosse real

"True, I talk of dreams,
Which are the children of an idle brain,
Begot of nothing but vain fantasy,
Which is as thin of substance as the air
And more inconstant than the wind, who wooes
Even now the frozen bosom of the north,
And, being anger'd, puffs away from thence,
Turning his face to the dew-dropping south."
(Romeo and Juliet - Shakespeare)


Ouvi uma vez um sujeito muito sábio - e muito, muito, muito velho - dizer que tudo tem seu tempo. Vocês devem lembrar dele - surge às vezes durante a noite, interrompendo o sono e terminando em lágrimas nos olhos abertos, nos sonhos de outras pessoas também. Acho que vocês entendem isso muito bem -- são os outros que não entendem. Eles tem pressa demais, empurram demais, chamam demais, reclamam demais. Nós dois sabemos que não é assim. Um passo de cada vez. Tudo a seu tempo. 

Vocês são tão engraçados, e diferentes -- até mesmo contraditórios! Nem mesmo o ritmo tem em comum. Entre baby steps e a corrida desarvorada do desespero, vocês povoam minha vida e a das pessoas a minha volta. Alguns pacientes, outros eufóricos, mas todos me parecem tão antigos. 

Engraçado pensar que todos que abandonei em algum ponto, voltaram sorrateiramente para me assombrar (ou alegrar? rs). Vocês podem me levar as lágrimas por um season finale, ou perturbar meu trabalho com suas intromissões. Aliás, todos os momentos, menos aqueles em que tento transformá-los em realidade - afinal, ai, qual é a graça?

Passo a passo, devagarzinho, eu vou desfazer cada um de vocês. Bem devagar, é claro, porque é sempre preciso de algo para sonhar; mas espero que conforme alguns forem atravessando a linha para o lado do real, outros venham tomar seu lugar. 

Não tenho pressa, juro. 

Só desejo e certeza.

Espero que isso seja o suficiente.

"The universe will sing you to sleep."

sábado, 17 de julho de 2010

Apocalíptica

to a stranger


"Ele não vira pela espera; eles não dirão, 'olha aqui' ou 'olha lá'.
Mas o Reino do Pai está espalhado pela terra 
e os homens não o vêem."


Acho que posso te considerar um estranho, nunca fui de falar 'contigo', nem de crer em ti como os outros crêem. Não temos intimidade alguma, portanto, somos estranhos, e isso valida essa carta.

Mas, bem, pelo que eu sei (e é bastante, se não em quantidade, me parece, em compreensão), tu era um cara bem legal. Genial, até. O mais belo pacifista, liberal, respeitava de si mesmo e dos outros. Sabia que não devia julgar em uma sociedade que considerava o indivíduo como nada; talvez por isso te considerassem meio divino, talvez tu fosse mesmo, e não me importa muito essa outra parte. Esse outro lado, dogmático e religioso, eu não me importo, não me faz diferença -- nem é minha praia.

No entanto, tu era um cara legal, com um monte de visões que deviam sim ser partilhadas e tornarem-se mais comuns. Engraçado, dizem para mim que eu vivo num mundo que tu influenciou pra caramba, mas não vejo isso na vida. Ninguém dá a cara a tapa 7 mil vezes. Atira-se pedras com 'pecados' na alma (para usar seu termo, não meu). Não se perdoa a opinião alheia, e julgam demais a crença dos outros.

E, bah, isso bem é sua culpa. Tu era genial, mas a galera com quem você andava... Sei não, hein? Eles eram meio duvidosos. Lucas era dado ao plágio, Judas a ganância (isso é... se tu não combinou tudo com ele), Pedro era inconstante... E tu o chamou de pedra, não é? Sabendo que ele te renegaria, três vezes, quando tu precisava mais de alguém pra te proteger. A vida é mesmo injusta. E aquele outro, Paulo, ele era dado à tirania e a amargura. Foi ele, não tu, quem acabou influenciando esse mundo, e olha a MERDA que deu!

Claro que você não podia prever e evitar isso, mas podia ter escolhido pessoas que aprendessem melhor, sabe? Pessoas que respeitassem tem ponto de vista, e o passassem para frente, ao invés de criarem loucuras sem sentido e contrárias as coisas que tu dizia. Agora já é meio tarde, é verdade. O problema é que a maçã podre apodrece todo o cesto. De cada 1 milhão de pessoas que dizem andar contigo, acho que nem 10 o fazem de verdade. A hipocrisia - que me parece ser algo que você detestaria, você morreu para não ser hipócrita - domina aquilo que devia ser teu rebanho, o tornando algo desprezível de se ver.

As guerras, a dominação, a ganância, tanta coisa feita em seu nome, sujando teu nome. Esse não era você, não é, Jesus? Todas as coisas que podemos aprender, aquilo que podemos achar, olhando para dentro e vendo como tudo se interliga, essa parte foi desprezada, escondida, queimada; junto com as ruínas alimentadas por um ódio que não combina com suas palavras.

O mundo é injusto mesmo, e fica difícil achar o paraíso em si, porque quando você olha pra fora, tudo está errado e fora do lugar, fora de sintonia. 

Não te odeio, não te desprezo, não te acho má pessoa. Te acho um bom filosofo, te acho uma pessoa de inteligência ímpar, admirável, até, especialmente considerando teu tempo.

... Mas aquela gente que anda contigo, hein?

Sei não.

Eu desconfio.


Ps: Como a Júlia bem me lembrou, tu já dizia... Diga-me com quem andas, e eu te direi quem és. Olha ai a merda feita.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Parting of the Ways

"My hands are tied, my body bruised

She got me with

Nothing to win and

Nothing left to lose

And you give yourself away"

Clarissa,

Eu lembro melhor do dia que tu nasceu do que do dia que o Arthur nasceu (e tem tão poucos meses!). Eu lembro da boneca que ganhei, e lembro da casa da minha (nossa) avó antes da obra. Eu lembro do berço de madeira onde eu dormi naquela noite, da Amor-Perfeito que 'você' me deu no hospital. Eu lembro de te achar linda, e tão pequena.

Vejo suas fotos, e você parece muito com Arthur, de certa forma. Mais que eu, embora isso não seja surpreendente, você parece mais com David que eu. Você nunca pareceu muito comigo, mas não me importava. Eu entrava no seu berço para dormir contigo quando você era pequena, e isso me rendeu muitas broncas. Eu cuidava de você, porque é isso que irmãs mais velhas devem fazer.

Cuidar de você passou a ser uma obrigação que eu cumpria com alegria.

Até começar a ser um peso grande demais.

Proteger você era meu modo básico de ação, e eu faria qualquer coisa para que nada de acontecesse (e fiz. eu fiz. em silêncio). E era muito mais do que eu poderia aguentar, e me partiu de uma forma que ninguém soube consertar. Eu fiz, porque amava você. Porque achava que devia. Porque não poderia suportar não fazer, não podia suportar o risco de algo - tão horrível - te acontecer.

Eu me afastei de você, porque tinha raiva e inveja, de você, da sua proteção, da sua inocência. Você era linda, pura, de uma forma que eu não podia ser. Eu me afastei porque tinha sacrificado tanto, e ganhado nada, e isso doía. Eu me afastei porque não podia, não sabia mais te amar. Era difícil demais.

Sei que você sofreu muito com isso; mas o que eu podia fazer? Se eu soubesse fazer diferente, teria feito. Mas minha única forma de me proteger -- de proteger vocês -- era me isolar. Então, melhor estar sozinha.

Sempre fui boa em ficar sozinha, por incrível que te pareça.

Você se tornou uma garota bonita, inteligente, esforçada. Uma jovem cheia de sonhos, futuros, tão equilibrada, nada problemática. Eu sinto orgulho, claro, porque de certa forma eu também tenho responsabilidade por isso ai.  E espero que continue assim, andando na direção que deseja, se dedicando ao que ama, aproveitando sua juventude com todo seu juízo. 

Não chore quando pôr a mesa e eu tiver ido embora. Você sempre soube que isso aconteceria. Não tenha ciúmes quando eu colocar meu bebê no colo, ele acabou de chegar e agora é ele que precisa do meu cuidado e da minha proteção. Você vai entender quando crescer, meu bem. Um dia, em uns 15 anos (o dobro da sua idade!), você vai ter o seu. Não seja agressiva sem motivo, não adianta ter raiva. É assim que as coisas são, e sempre teriam sido. Você, meu bem, não precisa mais de mim. Você cresceu, e você tem sua mãe, eu tenho meu filho,  e eu já te dei tudo que poderia dar e mais um pouco. Eu estarei aqui, claro, e ouvirei sempre, claro. Mas você não precisa de mim.

Eu não preciso também, do seu agradecimento. Não mais. Eu só preciso que você seja feliz.

"And if you wanna remember me, then you can do one thing, that's all, one thing. 
 Have a good life. Do that for me, Rose. Have a fantastic life.


segunda-feira, 12 de julho de 2010

Would you know my name?

"Agimos certo sem querer
Foi só o tempo que errou
Vai ser difícil sem você
Porque você esta comigo
O tempo todo"

Algumas pessoas me disseram que não é minha culpa.

Eu não sabia.

Mas, bem, para mim é minha culpa. E eu gostaria que você pudesse me perdoar por isso. Por não ter sido forte o suficiente. Por não ter te segurado. Por não ter impedido. Eu falhei em meu dever, e eu sei disso, e eu queria tanto que houvesse qualquer coisa que eu pudesse fazer para consertar.

... Certas coisas simplesmente não tem conserto.

Eu lembro de ti todos os dias, ainda que não saiba nada sobre você. Na minha cabeça, eu me pergunto sobre você todos os dias, e imagino todas as diferentes possibilidades. 

É engraçado escrever para você, porque definitivamente você não é uma pessoa - não como eu entendo pessoa, ao menos - e estou dizendo coisas que você simplesmente não poderia compreender. Você nunca soube nada sobre palavras, sobre o que elas significavam, e menos ainda como lê-las. Você nunca teve uma chance nesta vida.

No entanto, na minha memória, você vive. A cada dia, eu penso em ti. E não só eu, acredito, Arthur certamente pensa em ti demais, fala em ti demais.

Você veio e foi-se tão rápido, e não pudemos evitar nada disso. 

E, mesmo assim, eu penso em você.

Todo dia.

Não foi por não querer, não foi falta de amor. Eu apenas não consegui.

Será que um dia você vai me perdoar?

Eu espero que sim. E espero que 'você' 'volte'. Ou não. Mas que fique bem, onde quer que esteja. De uma forma ou de outra.

Só queria que você soubesse que vou sempre pensar em você, que te amaria se tivesse a chance.

Desculpe.

"Já que você não está aqui
O que posso fazer
É cuidar de mim
Quero ser feliz ao menos"

domingo, 11 de julho de 2010

I was never insecure until I met you

"My outsides look cool
My insides are blue
Everytime I think I'm through
It's because of you
I've tried different ways
But it's all the same
"

Não, você não tinha o direito.

E, não, eu nunca vou perdoar.

Ou esquecer, infelizmente.

Eu não quero que você morra.

Eu só queria que você nunca tivesse existido.
I'll make you feel unpretty too

Os nossos dias serão para sempre.

"Acho que você não percebeu
Que o meu sorriso era sincero
Sou tão cínico às vezes
O tempo todo
Estou tentando me defender"

Chega a ser engraçado, ver os outros falando sobre seus pais. É estranho, hoje em dia, pensar naquelas desculpas comuns "um dia você vai entender", e coisas assim. Eu entendo bem demais até. Não existem muitos mistérios, no final, é só uma questão de ponto de vista. De experiência. De estar do outro lado da linha.
"Nunca confie em ninguém com mais de 30 anos" foi algo que eu aprendi bem demais. "Não conte aos seus pais", eu aprendi bem demais. Ao ponto de me desligar tanto, que fiz de vocês um pouco menos pais e um pouco mais pessoas. E isso virou tão verdade ao ponto que nos damos bem como pessoas, temos interesses em comum, boas conversas, nos divertimos. Mas quando chega a hora de ser mãe-e-filha ou pai-e-filha, sempre acaba se tornando tenso. E, que engraçado é, estar mais acostumada a ser mãe do que a ser filha. 

Ontem eu não estava muito bem, mas não conseguia falar. São muitos anos de prática no silêncio, e se abrir parece estranho. Não que eu não sinta falta -- eu não sei ser filha direito, no entanto, conheço bem demais a sensação de precisar de um colo materno. Engraçado, sempre falam tanto que eu sou extrovertida, animada, tagarela; na maior parte do tempo eu estou falando para não dizer o que penso. Tenho vergonha de dizer o que eu sinto. Tenho vergonha de sentir. Não sei pedir ajuda.

E, bem, nós sempre esperamos que nossos filhos peçam ajuda. É tão difícil estar presente sem se intrometer, e o papel é passivo. Espere, deixe claro que estará lá, e eles vão correr para a barra da sua saia quando precisarem de verdade.

Eu sei dar colo.

Não sei pedir.

E, claro, não é culpa de nenhum de vocês. Eu vejo como a Clarissa pede, como ganha, e eu sei o valor disso. Eu sorrio, e fico feliz, e sempre existe aquela sensação de que falta algo. Mas, não, não poderia pedir.

Sou independente demais.

Cínica demais.

Me protejo demais, e não confio em mais ninguém para fazê-lo.

Tem sempre algo entre eu e vocês, uma barreira emocional intransponível.

Uma vez, você me perguntou se eu te culpava mais que ao meu pai. Mas você nunca me pediu perdão.  (E tem ainda mais motivos para pedir do que ele)

Outra vez me disse que eu estava tomando uma decisão sem saber qual o tamanho da responsabilidade que assumia, sem lembrar que você também não sabia, antes de mim. Ninguém sabe de verdade, até ser mãe. 

(pais nunca sabem. tão não é a mesma coisa)

Então não posso chorar na sua frente, mas podemos comprar livros juntas, e conversar sobre a importância da leitura, e todos os valores que dividimos. As coisas que você me ensinou.

(Lembra aquelas manhãs em que você escrevia as histórias que eu contava? Eu nunca parei de contá-las, mas você parou de apoiar. Por que? Eu realmente não sei, não entendo, e me pergunto sempre.)

Então eu não posso chorar na sua frente, mas ainda falamos de música, de séries, de inglês e de tantas outras coisas. Os gostos que temos em comum ou não. As coisas que você me ensinou.

(Lembro das manhãs em que você cozinhava e botava rock para tocar. E eu? Eu inventava histórias para as capas dos cds e vinis. Lembro quando fomos com a minha mãe comprar para ti uma miniatura de bateria, já que não havia espaço ou dinheiro para uma de verdade.)

É tão engraçado pensar nesta coisa de pais, porque a distância diminui tanto depois de crescemos. E prefiro assim: conhecer como pessoa, defeitos e qualidades, conversas, momentos, prazer e não obrigação.  É mais interessante. É mais confortável. É mais verdadeiro, eu acho.

E, para mim, é excelente do jeito que é.

"E o que disserem,
Agora meu filho espera por mim"

sábado, 10 de julho de 2010

Entrelaçe

"Minha mão direita na sua esquerda. 
Você inteiro, entrelaçado com o meu coração"
(Turn Your Scars Into Stars, Lihhelsing)


É alguma coisa no olhar, quando você sorri para mim. Não sei explicar, só sei que é assim. E os beijos em meu pescoço, para me acordar, me fazem lembrar como isso começou.

Você não beijou meu pescoço, aquela vez. O quanto eu perdi, não?

Uma placa de aço, dois fios de ouro, um símbolo tão simples. Mas diz tanta coisa, que não dá para explicar. Deve ser como aquele olhar, que me faz continuar a me sentindo como uma menina na escola, com uma quedinha pelo carinha mulherengo, ao invés de sua mulher há anos. 

Ou talvez sejam os beijos em meu tornozelo, na batata da perna, e nos joelhos. Não parece erotismo, parece adoração (e, claro, eu adoro ser adorada). Como se eu tivesse valor, e não acredito que tenha muito. Você acredita que eu tenho. Você acredita em mim mais do que eu mesma sou capaz, e isso sempre me serve de apoio.

Você não faz grandes gestos românticos, e eu ao mesmo tempo os desejo e morro de vergonha. Você me beija como se eu fosse a coisa mais importante do mundo, e me acaricia como se eu fosse feita de algo frágil e precioso. Você me diz coisas, sobre o mundo inteiro, sobre todos os assuntos, e me ouve. Você está lá, e quando  a gente briga, é apenas mais uma parte. Não temos aquele lance de fazer sexo selvagem depois, você me dá colo, ou deita no meu, e sussurramos explicações até passar.

Eu te pedi para sonhar comigo, e você sonhou com lombadas encadernadas com nossos nomes. E isso deveria ser dizer o suficiente. Você me disse que eu também pareceria uma boneca vestida de noiva. Me lembrou todas as coisas que eu faço para ser uma boa mãe, amiga, mulher, pessoa.

Então, como você ainda pode achar estranha a forma como eu abaixo os olhos e sorrio, sem jeito e sem resposta, volta e meia? 

É quase impossível acreditar em tudo isso, às vezes. E sempre acho que não mereço tanto.

Tudo que eu tenho poderia dizer se traduz nos olhos baixos de timidez e o sorriso puxado para direita. Ou meus dedos entrelaçados no seus antes de dormir, apoiada em seu peito e ouvindo sua respiração. 

Segura.

Em ti.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Two Broken Golden Rings

"É preciso força pra sonhar e perceber
Que a estrada vai além do que se vê"


Eu olho para o relógio digital e lembro que você vai estar aqui em seis horas. Vai ser como sempre é, nós dizemos oi, e você tem sempre a mesma expressão cansada. Não falamos muito, mas nos tratamos bem. E dizemos tchau, e nos vemos em alguns dias. E nos falamos depois de mais alguns. Eu penso que continuará a ser assim por anos, muitos anos. E não tem problema, mesmo, porque eu não me arrependo ou guardo mágoa. Foi como deveria ser, e ainda bem que foi. E ainda bem que não é.

Você provavelmente não lembra, e nunca foi bom com datas, mas hoje fazem 4 anos que deixou de ser. Eu lembro, claro, porque foi a maior ironia possível coincidir com o aniversário de casamento dos meus pais. 

Eles fazem 27 anos casados hoje. Nós fazemos quatro separados. Mas, no fundo, é a mesma coisa, porque fizemos todos o melhor possível. Estamos felizes assim, e isso é o que importa. 

Ainda tem uns VHS seus aqui. Uma calça de moletom que era sua, e eu uso de pijama até hoje (é impressionante como é difícil achar calças de moletom!). Uns CDs, também, aposto. Algumas fotos. Mas nada disso me perturba, a não ser quando tento organizar as coisas e não consigo. Certamente já te avisei e já te pedi para levar algumas destas coisas centenas de vezes. Você nunca lembra. Eu esqueço, também. 

Achei esses dias aquela pulseira com teu nome em dourado, que ficava no meu pulso. Está meio apertada, e eu dei pro Arthur, que ficou muito feliz. Eu já pensei em te devolver várias vezes, e lembro firmemente de ter separado para dar a Letícia em Yule, ao menos umas duas vezes antes. Mas ela sempre acaba se perdendo nos limbos da casa, e eu vou achar meses depois. Provavelmente já se perdeu de novo, e eu vou esquecer que ela sequer existiu. É assim mesmo.

Eu lembro de muita coisa com carinho, porque foi um tempo especial e tudo mais. Mas o que mais me impressiona são as coisas que eu não lembro. Ou melhor, que eu sei, mas me parecem absolutamente irreais. Chega a ser engraçado, por exemplo, pensar que nós fizemos sexo. Me parece tão surreal, e no entanto, isso definiu todo nosso relacionamento -- ainda faz toda diferença, e define todo nosso relacionamento. É engraçado, afinal, de onde mais viriam os bebês? No entanto, de certa forma, é como se nunca tivesse acontecido. Eu não consigo olhar para você e pensar nessas coisas, lembrar dessas coisas, pois elas deixaram de existir na minha cabeça. As coisas mudaram tanto, e eu penso em você a maior parte do tempo como penso na Clarissa. Ou quase, porque, como comentamos outro dia, ainda é surreal pensar que ela pode dirigir agora. O tempo passa depressa demais.

Vendo fotos outro dia, achei nossa foto mais antiga. Aquela, em que a gente é guri e está cantando parabéns para sua prima. E eu sou tão mais alta que você, e essa idéia também me é risível. Quantos anos ela deve ter? Uns doze? E se alguém me dissesse que eu teria um filho com aquele menininho, eu acharia a pessoa louca demais. A gente brigou uma vez por essa coisa de família, eu lembro. Foi uma briga besta, mesquinha, e que não levou a lugar algum. Você dizia que eram duas famílias, e eu dizia que era a mesma coisa, que família era família e ponto final. Oras, claro que eu defenderia isso, porque no meu coração, ainda somos familiares um do outro independente do fim. Continuamos dividindo algo que modela nossas vidas, e eu vou continuar a torcer por você e ficar contente por cada conquista. 

Eu continuarei a pedir pelo seu bem e pelo dos seus quando resolver rezar, e continuarei a esperar que você consiga seu melhor. Não só pelo Arthur, mas pela sua própria felicidade. Pais felizes criam crianças mais contentes, eu acho. E eu quero que você seja feliz, claro, e que se sinta realizado.  Eu sinto orgulho de suas conquistas, porque acredito em seu potencial. Como profissional, como pai, como pessoa. 

Talvez eu seja apenas tola e sentimental, mas isso não é nenhuma surpresa. Todo mundo sempre soube disso. E, aliás, explica toda nossa história muitíssimo bem. Hahahaa.

O que importa é que eu agradeço todos os dias pelo que tivemos -- porque isso possibilitou a maior alegria que eu já conheci. E agradeço todos os dias por ter tido a chance de experimentar tudo que experimentei, pelo quanto me transformou, porque, no final, as alegrias me são tão mais importantes do que as tristezas e decepções! E, com você, eu tive uma que me acorda aos berros pela manhã e pede beijos de boa noite, e por isso, eu definitivamente, sou grata.

Walk on! Walk on!
Stay safe tonight

As promessas mortas da juventude torta. Ou as promessas tortas da juventude morta, quem sabe.

"Oh que saudades que tenho

Da aurora da minha vida,

Da minha infância querida

Que os anos não trazem mais"


Quando eu penso em "melhores amigos" eu sempre penso em você. Oras, nada mais natural. Você foi minha primeira melhor amiga, e a maior de todas elas por tantos e tantos anos.

Este ano fizeram vinte anos que nos conhecemos. Eu tenho amigas que não tem isso de vida, ainda, e nós temos isso de vida em comum. Estive pensando nisso, esses dias. Lembrei de você, no seu aniversário. Mas não liguei, não tinha o telefone, e nunca decorei o número extra da sua casa. Agora, ele é o único, e eu não sei de cabeça. Então, não liguei. Mas lembrei de você, sim, e achei algumas cartas que trocamos na nossa adolescência. Não senti saudade, na verdade, quando as li. Não preciso te ligar ou te ver para gostar de você. Depois de tanto tempo, isso chega a ser supérfluo. 

É um pouco engraçado, porque todos esperam que eu escreva coisas engraçadas sobre nossa história, e eu lembro de tantas que não saberia escolher uma só. Claro, elas dariam centenas de páginas de Ria da minha vida antes que eu ria da sua, só que não é isso que conta. Eu estive lá contigo nos outros momentos, e é triste que eu lembre tão bem de cada marca, de cada vergonha, das palavras que eu não poderia dizer porque se aquilo viesse à tona, eu precisaria confessar também.

E eu quis que você nunca soubesse. 

Você nunca soube, embora tanta gente que me conheça tão menos e a tão menos tempo saiba. Não te contei na época, e estava tão aterrorizada... E depois me sentia culpada de não ter dito. Quando chegou a hora de te dar a mão, eu o fiz em silêncio. 

Você foi a primeira pessoa que eu contei - voluntariamente, não conta aquelas pessoas que estavam grudadas em mim no telefone - quando recebi o resultado do meu exame, positivo. E na mesma hora, você soube que teria um afilhado. Na verdade, nós já sabíamos que seria seu afilhado quando quer que viesse. 

Me mudar nos fez nos falar muito pouco. Eu nunca entendi porque você não usa mais o msn, ele ajudaria. Minha paciência pra telefone é curta, e os horários ruins para ficar aguentando barulho e chiado. Tudo bem. A gente fala quando precisa, quando é importante. Já passamos do tempo de fofocar sobre os vizinhos, ou de fugir em segredo durante a noite. 

Nós não freqüentamos os mesmos lugares, não ouvimos as mesmas músicas, não lemos os mesmos livros, não temos o mesmo tipo de pensamento. E, por algum tempo, eu achei que isso nos afastava. Hoje em dia, acho que não faz a menor diferença. Nós temos o mesmo sangue, mesmo sem ter, e toda uma história, mesmo sem nos falar todo dia. "Growing apart" é uma expressão que não faz sentido aqui. Eu não preciso aprovar para amar, e isso é tudo.

E toda vez que o sol bate nos meus cabelos pintados, eu lembro de você.

30 Day Letter Project

Apenas para que eu mantenha o controle de quais elas devem ser. Poderia dizer que foi roubado de fulano, ou de cicrano, mas é mais justo dizer que foi inspirado em compartilhar com toda minha timeline maravilhosa.

De qualquer forma, eu duvido que vá escrever uma por dia. Possivelmente, mais de uma. E ordem, pff.


Day 1 — Your Best Friend 
Day 2 — Your Crush
Day 3 — Your parents
Day 4 — Your sibling (or closest relative)
Day 5 — Your dreams
Day 6 — A stranger
Day 7 — Your Ex-boyfriend/girlfriend/love/crush
Day 8 — Your favorite internet friend
Day 9 — Someone you wish you could meet
Day 10 — Someone you don’t talk to as much as you’d like to
Day 11 — A Deceased person you wish you could talk to
Day 12 — The person you hate most/caused you a lot of pain
Day 13 — Someone you wish could forgive you
Day 14 — Someone you’ve drifted away from
Day 15 — The person you miss the most
Day 16 — Someone that’s not in your state/country
Day 17 — Someone from your childhood
Day 18 — The person that you wish you could be
Day 19 — Someone that pesters your mind—good or bad
Day 20 — The one that broke your heart the hardest
Day 21 — Someone you judged by their first impression
Day 22 — Someone you want to give a second chance to
Day 23 — The last person you kissed
Day 24 — The person that gave you your favorite memory
Day 25 — The person you know that is going through the worst of times
Day 26 — The last person you made a pinky promise to
Day 27 — The friendliest person you knew for only one day
Day 28 — Someone that changed your life
Day 29 — The person that you want tell everything to, but too afraid to
Day 30 — Your reflection in the mirror